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Cotas na UFS: Inversão de trajetórias e o jeitinho brasileiro

quinta-feira, 18 de março de 2010


Por: Magson Melo Santos

Com a matrícula dos aprovados no primeiro Vestibular cotizado da Universidade Federal Sergipe, muitos se deram conta de que houve uma acentuada mudança no mecanismo de ingresso na UFS. A partir de agora, e por no mínimo 10 anos, existirá uma reserva de vagas de 50% para estudantes egressos de escolas públicas e dentro desse percentual respeitar-se-á a composição étnica do Estado de Sergipe.

A comissão que elaborou o projeto de Ações Afirmativas da UFS, hoje uma realidade institucional, se deparou com posições conservantistas tanto dentro, como fora da UFS. No entanto, essa comissão seguiu em frente discutindo e redigindo uma proposta durante seis meses. E o resultado foi a aprovação com votação favorável de mais de 90% dos conselheiros do CONEPE- Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFS.

A divulgação das listas dos aprovados contemplou quatro grupos: o A não cotizado, o B cotizado para autodeclarados brancos e egressos de escolas públicas, o C para autodeclarados pretos, pardos e índios também egressos de escolas públicas e o grupo D para portadores de necessidades educacionais especiais.

Logo surgiram questionamentos, ações na Justiça, a “revolta” dos privilegiados que teriam “perdido seu espaço”. Mas também surgiu a alegria de estudantes de origem popular que conquistaram uma vaga na tão sonhada UFS, pessoas que inverteram suas trajetórias de vida para encontrar o seu espaço acadêmico.

Os questionamentos jurídicos ao sistema de cotas da UFS utilizaram em sua maioria argumentos fracos, e por isso não prosperaram. Por exemplo, um dos mandados segurança afirmava que a UFS feriu a Constituição ao instituir o sistema de cotas, no entanto, a autonomia universitária é garantida constitucionalmente; outro mandado afirmava que a UFS não tinha competência para editar normas sobre cotas, sendo que a instituição tem sim competência para elaborar seus próprios atos administrativos, mais conhecidos como atos de gestão, inclusive no que tange ao ingresso de seus discentes.

Dezenas de estudantes “perderam” a vaga durante a matrícula porque não comprovaram ter estudado os três anos do ensino médio e mais quatro do ensino fundamental em escolas públicas. Isto é, se inscreveram pelas cotas, quando não tinham direito a elas, talvez pensaram que “dariam um jeitinho” para entrar na UFS.

No entanto, enganaram-se, as pessoas que fizeram a matrícula estavam treinadas para identificar qualquer fraude e indeferir a matrícula, foi o que aconteceu. Mas, queriam dar um jeitinho de qualquer forma: quem sabe gritar com a diretora da matrícula, ir ao rádio, falar no jornal nacional, entrar na justiça, como essas estratagemas não vingaram, o caminho mais certo será estudar mais um ano e se contentarem com as vagas de seus respectivos grupos.

O que há de novo nas cotas é a percepção de que meritocracia e justiça social podem andar juntas, afinal não é qualquer estudante de escola pública que entrou na UFS, quem passou foram os alunos mais aplicados, inclusive muitos teriam entrado mesmo sem cotas. Essa disputa por grupos, também é meritocrática, sendo que se mostra mais justa por permitir que vagas sejam disponibilizadas para pessoas que pelo “vestibular tradicional” teriam pouca ou quase nenhuma chance de entrar na UFS, principalmente nos cursos mais disputados como Direito e Medicina.

Algumas histórias de superação e de inversão de trajetórias dos aprovados pelo sistema de cotas chamam a atenção: como a de uma doméstica de Laranjeiras, que tinha parado de estudar há dezesseis anos e passou para pedagogia; a do filho de uma agricultora de Itabi que passou para Direito, a do filho de um padeiro de Alagadiço, povoado de Frei Paulo que passou para Medicina, a do filho de uma gari de Cedro de São João que passou para Engenharia Química; e essa é uma ínfima amostra das milhares de vidas que tiveram suas trajetórias transformadas com a adoção das ações afirmativas pela UFS.

Como não se emocionar, diante de tais histórias de luta e vitória, como não torcer para que eles vençam, como não acreditar que em um futuro próximo teremos uma sociedade mais justa. A lição que fica é a de que jamais o Brasil se tornaria o país do futuro, se continuássemos com as pouco questionadas práticas do passado.

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