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A carne mais barata do mercado é a carne negra‘ Eu só quero saber: até quando?

quinta-feira, 18 de março de 2010


Pra começo de conversa, apesar de adorar a interpretação de A carne (Farofa Carioca) feita pela Elza Soares neste vídeo, eu discordo da frase de abertura dele. Não é verdade que negro rico no Brasil é branco nem que pobre branco é preto. Se você for negro e não for famoso, muito famoso corre risco de tomar um tiro da polícia na calada da noite e obviamente existe preconceito de classe em relação aos pobres brancos, mas o preconceito de classe somado ao racismo pode levar à morte. Esclarecido isto, esclareço os destinatários deste post escrito com espírito armado e furioso: ele é direcionado aos negros de ideologia ‘capitães do mato’ ou aos brancos de ideologia ’sinhozinho’.

Peço perdão aos que não se incluem nestas categorias e de antemão aviso que, se preferirem, não leiam ou se quiserem compartilhar de minha fúria, estejam à vontade.

Minha fúria por mais uma vez ter de voltar a questão racial associada à violência policial e a necessidade de uma reeducação da polícia e de toda a sociedade para o combate ao racismo (e isso pressupõe acesso dos grupos que são alvo de racismo aos espaços socialmente valorizados o que inclui a universidade) nasce da exaustão.

Estou verdadeiramente exaurida de falar sobre racismo no Brasil e ver esta doença institucionalizada prosseguir feito câncer agressivo, assim como assistir a reação de grupos privilegiados ou de sujeitos alienados que se postam contra todas as medidas de combate efetivo ao racismo.

Estou exaurida de fornecer aqui neste blog e em outros espaços da blogosfera para os quais contribuo uma quantidade imensa de causos reais de expressões e ações institucionais (ou não) de cunho racista produzidas diariamente no país, assim como de estudos sérios que mostram que alunos cotistas não fazem cair o rendimento/nível das universidades, ao contrário, elevam a média geral.

Estou exaurida de tanto explicar, dezenas de vezes, aos anti-cotas/anti-cotistas do porquê do benefício para toda a sociedade (para brancos e negros) da implementação de uma política de cotas étnico-raciais.

Tenho amigos que acham que exagero quando me refiro àqueles que são contra cotas de: anti-cotistas. Se você for contra as cotas inclua-se na lista dos anti-cotistas, pois se se recusa a aceitar a aprovação de uma política de ação afirmativa que seja capaz de discriminar positivamente aqueles que foram historicamente excluídos, você é contra o direito dos estudantes cotistas e se é contra o direito deles é contra eles. E além de anti-cotista, você também é desinformado/a, ou melhor, deformado/a pelos preconceitos disseminados pela força midiática que abre espaço na imprensa escrita e radiotelevisiva aos neocons e nunca o faz na mesma medida aos intelectuais e ativistas em prol da política de cotas.

E antes que você venha me encher a paciência com comentários repetitivos, feito papagaio de pirata dos discursos dos Kamel, Magnoli, Tio Rei, Mainardi e o resto da tchurma do Millenium, faça um favor a si mesmo/a e ao restante dasociedade: vá se informar e não me encha os pacovás.

Tenha santa paciência, reconheça a sua ignorância sobre o assunto e vá atrás dos trabalhos de muitos sociólogos, antropólogos, economistas sérios que já pesquisaram sobre a temática das relações étnico-raciais no Brasil desenvolvendo estudos com honestidade intelectual, qualidade que os neocons (dos quais os anti-cotistas mais renitentes fazem parte) são incapazes de apresentar.

Cotas raciais nas universidades e outros espaços socialmente valorizados e as de gênero na política, por exemplo, além de uma medida socialmente necessária ao país que se quer verdadeiramente democrático é um procedimento didático para o combate ao racismo e ao sexismo.

O dia em que os cursos socialmente valorizados como a engenharia que tem rara presença feminina preta ou branca tiver uma presença maior de mulheres em suas matrículas (não vou discutir isso agora, mas há razões históricas para o afastamento das mulheres dessa e outras profissões excessivamente masculinizadas) o estranhamento e preconceito em relação às mulheres engenheiras irão diminuir. Assim como o dia em que os consultórios médicos e grandes e famosos escritórios de advocacia e os postos importantes das empresas e diferentes cargos políticos importantes forem ocupados por homens e mulheres de cor preta e parda e por indígenas, nós conseguiremos romper o ciclo odioso e auto-reprodutor do racismo no Brasil.

Os energúmenos que se recusam a perceber as diferentes formas do racismo institucionalizado no país não acharão mais ‘normal’ que 70% dos jovens assassinados no Brasil sem passagem pela polícia tenham a coloração da pele mais escura que os outros 30% de pele clara. Estes mesmos ignorantes que naturalizam a violência (institucional ou não) dirigida aos grupos desempoderados vão se acostumar com a idéia de que pessoas negras (pretos e pardos) podem ser engenheiros, médicos, advogados, arquitetos, professores universitários, presidentes de corporações, âncoras de tv e não apenas professores da educação básica, jogador de futebol, cantor de pagode e ‘mulatas’ do funk, axé e cia.

Conversando com minha mãe que tem 70 anos e a filha adolescente ouvindo o diálogo perguntei: Mãe, por quantos médicos ou médicas pretos ou pardos a senhora já foi atendida? Resposta: nenhum. A filha pára e diz: Nossa! O único médico negro que conheço é o Foreman (personagem do ator Omar Epps, na série estadunidense House, exibida no canal Universal). E você energúmeno/a de ideologia capitão do mato e sinhozinho/sinhazinha por quantos médicos negros já foi atendido/a? Quantos arquitetos negros fizeram a reforma de sua casa de praia, quantos diretores negros já te deram ordens na empresa? Só comente se puder provar com fatos.

Eu disse anteriormente que cotas para além de socialmente necessárias são também didáticas. Lembrem-se, energúmenos que ignoram o conhecimento histórico, a escravidão foi e ainda é nossa instituição mais duradoura: é mais antiga que a Monarquia, que a República e os cativos negros eram vistos como ‘classes perigosas’. Considerando esta longa história as cotas funcionam como instrumento didático na medida em que a cor negra passará da “cor da suspeição” para uma cor como qualquer outra, no sentido que elas farão colorir a elite brasileira: você não mais se assustará com a presença de um negro ‘não famoso’ em um bom restaurante de classe média jantando calmamente com sua família, ou nos poupará do vexame de pedir para um pesquisador negro reconhecido internacionalmente para carregar as suas malas no aeroporto. Você ainda evitará envergonhar o país ao confundir uma atriz internacional com uma ladra que mexeu na sua bolsa, quando você que está caduco/a esqueceu onde colocou os óculos escuros que comprou em Miami.

A polícia que precisa de uma reeducação urgente empreendida pelo poder público terá menos capitães do mato ou fardados metidos a sinhozinho/sinhazinha e poderá aprender, finalmente, que assassinar e humilhar a juventude negra no país é crime; que tratar a cor negra como a cor da bandidagem é, além de preconceito, crime.

Enfim, cotas são didáticas pela possibilidade de ampliar a convivência de diferentes estratos sociais e étnico-raciais no espaço acadêmico de universidades públicas valorizadas e assim ampliar a diversidade de pensamentos, idéias, saberes e reflexões de diferentes bases socioculturais.

Comecei o post com Elza Soares cantando uma canção que é um soco no estômago dos que têm a ideologia de capitães do mato, sinhozinhos e sinhazinhas do século XIX, termino-o com uma matéria que mostra que a carne negra é tão barata ainda que seus corpos podem ser tocados em praça pública como os senhores escravagistas faziam com homens e mulheres escravizados nos mercados de cativos do Brasil escravista.

Convido-os, energúmenos, papagaios de pirata de neocons, para que saiam de suas realidades paralelas, ainda dá tempo de fazer algo concreto! Livre-se do racismo incrustado em suas mentes, estudem a história de seu país e apóiem medidas efetivas de combate ao racismo e que ampliem de fato a democracia social no Brasil, ou então, vão pentear macaco que nós temos mais o que fazer.

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