Por maioria de
votos, o Plenário julgou improcedente o pedido feito na ADI 3330, ajuizada pela
Confenen
O Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, julgou improcedente o
pedido feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3330, ajuizada pela
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). A entidade
questionava a Medida Provisória nº 213/04, convertida na Lei nº 11.096/2005,
que instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni) e passou a regular a
atuação de entidades de assistência social no ensino superior.
O julgamento
da ADI – à qual foi anexada a ADI 3314, proposta pelo partido DEM, por ter
exatamente o mesmo objeto – foi iniciado em 02 de abril de 2008, quando seu
relator, ministro Ayres Britto, se pronunciou pela improcedência do pedido.
Naquele mesmo julgamento, o Plenário, por unanimidade, não conheceu (decidiu
não julgar o mérito) da ADI 3319, por não reconhecer legitimidade ativa à
Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp),
autora dessa ADI, para propor a ação. Suspenso naquela oportunidade, o
julgamento foi retomado hoje com a apresentação do voto-vista do ministro
Joaquim Barbosa.
Alegações
Na ação, a
Confenen sustentava que a MP e a lei em que foi convertida ofendem o artigo 62
da Constituição Federal (CF) e, por via de consequência, ao princípio da
separação dos Poderes da República Federativa, consagrado no artigo 2º da CF,
caracterizando-se a usurpação legislativa pelo chefe do Executivo, ante à
ausência de “estado de necessidade legislativo”, que autorizaria a utilização
de Medida Provisória.
Sustentava,
ainda, que os artigos 10 e 11 da lei impugnada violam os artigos 146, II e 195,
parágrafo 7º, da Constituição, por invadirem seara reservada a lei complementar,
ao pretenderem “conceituar entidade beneficente de assistência social“, e ao
estabelecerem “requisitos para que a entidade possa ser considerada beneficente
de assistência social”.
A
Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pela improcedência da ação.
No mesmo sentido se pronunciou a Advocacia-Geral da União (AGU), que defendeu a
constitucionalidade da MP e da lei impugnada.
Voto-vista
Em seu
voto-vista, o ministro Joaquim Barbosa refutou todos os argumentos da Confenen
e do DEM. Em síntese, ele sustentou que o ProUni é coerente com diversos
dispositivos constitucionais que preveem a redução de desigualdades sociais. Em
favor desse argumento, ele citou dados do Censo Anual de 2008 do Ministério da
Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional
(Inep), segundo o qual havia, naquele ano, uma oferta de 2,98 milhões de vagas
nas universidades de todo o país, das quais 1,479 milhão estavam ociosas.
Ainda segundo
aquele censo, a maior parte dessas vagas ociosas se localizava em universidades
privadas. E a causa disso era a dificuldade financeira das famílias de pagar o
estudo superior de seus filhos.
Assim,
conforme o ministro, ao financiar a bolsa total para alunos de famílias com
renda até 1,5 salário mínimo e parcial para aqueles egressos de famílias com
renda de até 3 salários mínimos, o ProUni representa um importante fator de
inserção social. E essa afirmação, segundo ele, é confirmada por uma pesquisa
feita em março de 2009 pelo Ibope, segundo a qual 56% dos alunos apoiados pelo
ProUni já trabalhavam quando iniciaram seu curso superior, mas seu nível de
emprego aumentou para 80% após esse patrocínio, contribuindo para melhorar a
renda de suas famílias. Além disso, conforme argumentou, o custo de cada bolsa
do programa é inferior ao custo por aluno em universidades públicas e, também,
privadas.
Autonomia e
igualdade
O ministro
Joaquim Barbosa refutou, ainda, a alegação de que o ProUni ofenderia o
princípio da autonomia universitária, previsto no artigo 207 da CF. Segundo
ele, a adesão das universidades ao programa é facultativa. “Nenhuma instituição
particular de ensino superior está obrigada a se vincular ou se manter
vinculada ao ProUni, e a adesão tem prazo de vigência de 10 anos, contado da
data de sua assinatura”, afirmou.
Por outro
lado, de acordo com ele, “há que se considerar que a autonomia universitária
não é um objetivo que se esgota em si próprio. Ela existe para que se atinjam
outros objetivos, de natureza educacional, social, cultural”. Ele refutou,
também, a alegação de ofensa ao princípio da igualdade, alegando que somente
podem candidatar-se ao ProUni aqueles candidatos aprovados em processo de
seleção regular, disputado com os demais alunos.
Livre
iniciativa
O ministro
rebateu, também, a alegação de que o ProUni ofenderia o princípio da livre
iniciativa (artigo 170, parágrafo único da CF), que assegura a todos o livre
exercício da atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previsto em lei. Segundo ele, as universidades que
aderirem ao ProUni não sofrem qualquer restrição. E, considerando a ociosidade
de vagas nessas instituições, a lei pode até favorecer a manutenção de suas
atividades, em razão dos benefícios tributários que passarão a usufruir.
Por outro
lado, ele destacou que a educação não é uma mercadoria ou serviço sujeito às
leis do mercado e sob a regência do princípio da livre iniciativa. “Se a
legislação franqueia a educação à exploração pela iniciativa privada, essa só
pode ocorrer se atendidos requisitos do artigo 209 da CF”, sustentou. Segundo
ele, “não se trata, propriamente, de incidência pura do princípio da livre
iniciativa”.
Ministra Rosa
Weber
Acompanhando o
voto do relator, a ministra Rosa Weber destacou que as alegações de violação
aos princípios da isonomia, autonomia universitária e livre iniciativa já foram
abordados em seu voto na ação julgada há duas semanas pelo STF, quanto ao
critério de cotas da Universidade de Brasília (ADPF 186).
Especificamente
sobre a lei que instituiu o ProUni, a ministra proferiu seu entendimento com
relação ao dispositivo que dá prioridade às empresas aderentes ao programa na
distribuição dos recursos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior (Fies). Para a ministra Rosa Weber, não há inconstitucionalidade, uma
vez que o sistema apenas estimula a adesão ao programa ao dar prioridade ao repasse
dos recursos, não deixa de fazer repasse às não aderentes, e cria mecanismos de
estímulo à participação em um importante programa de inclusão social.
Ministro Luiz
Fux
O ministro
Luiz Fux votou hoje pela constitucionalidade do programa. “O ProUni representa
uma política pública federal, subsidiado com recursos federais, de adesão
voluntária, por isso não viola a livre iniciativa nem o pacto federativo. É um
exemplo eloquente de fomento público de atividades particulares relevantes”,
disse. O ministro rebateu o argumento de que o programa fere a isonomia ao
repassar verbas para universidades privadas que instituírem ações afirmativas,
reservando bolsas para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas,
sendo que boa parte delas deve ser concedida a negros, índios e portadores de
necessidades especiais.
“A isonomia,
no caso concreto, reclama tratamento isonômico, tratando igual os iguais e
desigualmente os desiguais. Um dos subprincípios da isonomia na Constituição
Federal, no seu artigo 206, é garantir a igualdade de acesso à educação”,
afirmou, lembrando que há um paradoxo no Brasil no qual alunos de escolas
públicas têm dificuldade de acesso às universidades federais e estaduais, que
são as melhores do país, por conta da baixa qualidade dos colégios públicos. O
ministro Luiz Fux também sustentou que a lei que criou o ProUni não limitou o
poder estatal de tributar ao conceder isenção às entidades que aderem ao
programa. “A lei apenas estabelece critérios para que as entidades possam se
enquadrar no programa. Isso nada tem a ver com o poder de tributar”, apontou. O
ministro Cezar Peluso também acompanhou o relator.
Ministro
Gilmar Mendes
Ao acompanhar
o voto do relator das ADIs 3330 e 3314, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a
sistemática adotada pelo ProUni para fomentar a concessão de bolsas de estudo
por parte de instituições privadas de educação superior mediante o
oferecimento, em contrapartida, de isenção de alguns tributos, é, em sua
opinião, um modelo extremamente engenhoso que favorece mais de um milhão de
estudantes, e que deveria ser estendido a outros setores.
Para o
ministro, o ProUni é bem-sucedido muito em razão de seu mecanismo de
fiscalização, que é “bastante simples, quase documental”, na medida em que
dispensa a atuação de fiscais para impedir fraudes. “É um modelo institucional
digno de encômios [elogios] porque todos nós sabemos da dificuldade de se fazer
um controle dessas entidades. E é um modelo que pode se expandir para outras
áreas, como a saúde”, afirmou.
O ministro
Gilmar Mendes também teceu elogios aos critérios para a concessão de bolsas com
base na renda, e não na cor da pele. O programa é dirigido aos estudantes
egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de
bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima de três salários
mínimos. “A lei do ProUni, em verdade, estabelece o critério de renda do aluno
como requisito essencial para a concessão dessas bolsas”, finalizou.
Divergência
O ministro
Marco Aurélio foi o único a divergir da maioria e votar contra a norma que
instituiu o ProUni. “O meu compromisso não é com o politicamente correto. É com
o politicamente correto se estiver, sob a minha ótica, segundo a minha ciência
e consciência, harmônico com a Carta da República”, disse.
Para o
ministro Marco Aurélio, o projeto de lei originalmente apresentado pelo
Executivo ao Congresso Nacional com o intuito de criar o ProUni foi atropelado
pela MP. Ainda segundo ele, a medida provisória contém diversos vícios, como,
por exemplo, não respeitar os requisitos de urgência e relevância previstos na
Constituição Federal, e regular matéria tributária (prevê isenção fiscal às
universidades que aderirem ao ProUni), o que somente pode ser feito por meio de
lei complementar.
“O Poder
Executivo abandonou o projeto tendo em conta a polivalência que ganhou a medida
provisória e potencializando requisitos (da urgência e relevância) editou a
medida provisória”, ponderou. Ele observou ainda que pouco importa que a MP
tenha sido convertida em lei. “O vício originário quanto à edição da medida
provisória contamina a lei de conversão. A lei de conversão, em síntese, é
válida se válida se mostrar a medida provisória”, concluiu ao citar o jurista
Celso Antonio Bandeira de Mello.
O ministro Marco
Aurélio também questionou o fato de a lei prever sanções, a serem aplicadas
pelo Ministério da Educação, para instituições que descumprirem as obrigações
assumidas no termo de adesão ao ProUni. “Sob esse ângulo, se tem um maltrato à
autonomia universitária”, afirmou. Ao final de seu voto, o ministro defendeu
que o Estado invista em universidades públicas, ao invés de “compelir a
iniciativa privada fazer o que o próprio Estado deveria fazer”.
Portal do
Supremo Tribunal Federal - Data: 04/05/2012
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