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O mito da democracia racial : A branquitude

segunda-feira, 9 de novembro de 2009


Um importante perpetuador do racismo no Brasil é o fato de que a sociedade, quando reconhece o racismo, refere-se a um “problema do negro brasileiro”. Há um silêncio sobre o branco.

Dessa forma, ou bem se nega a discriminação racial e se explicam as desigualdades em função de uma inferioridade negra, apoiada num imaginário no qual o “negro ” aparece como feio , maléfico , incompetente ou diferente, ou se reconhecem as desigualdades raciais, explicadas como uma herança negra do período escravocrata. De qualquer forma, os estudos silenciam sobre o branco e não abordam a herança branca da escravidão, nem tampouco a interferência da branquitude como guardiã silenciosa de privilégios.

Assim, mesmo os pesquisadores mais progressistas não se percebem, nem ao seu grupo racial, implicados num processo indiscutivelmente relacional. Fala-se dos problemas do “outro”, o negro, considerado diferente, específico em contraposição ao humano universal, que é o branco. Esse “daltonismo” e essa cegueira caracterizam um estranho funcionamento de nossa sociedade.

Edith Piza (1998/1999) é uma das raras estudiosas brancas brasileiras que se dedicam a estudar os brancos. Partindo de trabalhos sobre branquitude realizados por estudiosas norte-americanas (Helms, 1990; Tatum, 1997; Frankenberg, 1995), a autora pesquisou e descreveu as características próprias à identidade do branco brasileiro.

Segundo ela, no discurso dos brancos é evidente a invisibilidade, distância e silenciamento sobre a existência do outro. Para ela, o branco não vê, não sabe, não conhece, não convive. Segundo as palavras de uma das suas entrevistadas, “ser branco (...) é não ter de pensar sobre isso (...) o significado de ser branco é a possibilidade de escolher entre revelar ou ignorar a própria branquitude, não se nomear branca (...).”

A branquitude como conceito traz à cena e nomeia o componente racial branco, completamente “neutralizado” nas relações raciais, tornando visível o que socialmente se faz questão de velar, isto é, que a desigualdade do ponto de vista das raças é polarizada entre brancos e negros.

Os brancos negam inicialmente qualquer preconceito pessoal, tendendo a, posteriormente, reconhecer o impacto do racismo sobre a vida dos negros, mas evitando reconhecer o impacto sobre suas próprias vidas.

Depoimento de uma pessoa branca entrevistada em pesquisa sobre branquitude

“Como uma pessoa branca, me dei conta de que pensava sobre racismo como alguma coisa que coloca outras pessoas em desvantagem, mas não tinha pensado no aspecto de seus resultados, o privilégio dos brancos, que os coloca em vantagem. Eu via o racismo somente como atos individuais de agressão, não como um sistema invisível conferindo dominância para o meu grupo.”

Fonte: Bento, 2002.

A branquitude é um modo de comportamento social, a partir de uma situação estruturada de poder, baseada numa racialidade neutra, não nomeada, mas sustentada pelos privilégios sociais continuamente experimentados.

Portanto, o problema racial no Brasil deve ser discutido não como “um problema de negros”, mas como um problema das relações entre negros e brancos, pois sua solução certamente envolverá os dois grupos.

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