Confira artigo da diretora de combate ao racismo da UNE, Marcela Ribeiro
No
dia da morte de Zumbi, o último dos líderes do maior quilombo do
período colonial(quilombo dos Palmares), celebramos o dia da consciência
negra. 20 de novembro é um dia de celebração pelas conquistas, avanços e
vitórias alcançadas, mas antes disso, é um dia para lembrarmos a nossa
própria história de luta e resistência desde o primeiro momento que
pisamos o solo da então colônia de Portugal.
O poder da memória e a não aceitação de seu esquecimento com relação
ao período histórico mencionado podem ser constatados nas polarizações
que geralmente cercam os debates que envolvem as relações raciais
brasileiras do período da colonização aos dias atuais.
A luta por liberdade, dignidade, pelo exercício da vida em cidadania
pautou as e os africanos e seus descendentes desde o primeiro momento
que pisaram nessa terra. A existência dos quilombos demonstra essa
explícita intensão de viver em liberdade, a dignidade no exercício dessa
liberdade pauta as lutas dos movimentos sociais negros ainda hoje.
Nos últimos dez anos o movimento negro obteve inúmeras vitórias como
a Lei 10.639 que altera a lei de diretrizes e bases da educação,
incluindo no currículo oficial da rede de ensino a “História e Cultura
Afro-brasileira”; a lei 12888, estatuto da igualdade, o qual apesar de
sofrer inúmeras modificações ainda representa uma conquista do movimento
negro, a decisão no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
impetrada pelo DEM contra as cotas, que pela primeira vez reconheceu uma
dívida do estado brasileiro com o povo negro.
Contudo, ainda há muita luta na perspectiva de construirmos uma
sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Ainda hoje a população
negra se concentra entre os extratos de maior vulnerabilidade social, em
que pese a maioria da produção dos bens de consumo dependerem da mão de
obra negra, essa não tem acesso aos bens que produz. A juventude negra
continua sendo dizimada, muitas vezes pelas mãos do próprio estado.
Ao passo que o movimento social negro se articula em conjunto aos
outros movimentos sociais de esquerda por avanços há um enrijecimento
dos setores conservadores da sociedade. Quando não convencem com o
discurso de uma igualdade material vigente, a pseudo democracia racial
existente, partem para uma ofensiva, como a Ação Direta de
Inconstitucionalidade sobre a lei que regulamenta a titulação dos
territórios quilombolas; como o debate acerca da redução da maioridade
penal, que em nada mais se traduz do que um projeto de encarceramento da
juventude negra; como a demora em aprovar a lei dos autos de
resistência a qual pode inibir o genocídio da juventude negra e da
periferia.
AS COTAS NÃO BASTAM
O racismo é estruturante na sociedade brasileira e se utiliza do
sistema educacional para perpetuar esse projeto hegemônico de sociedade.
Vivenciamos a dura realidade da precarização do ensino público sistema
no qual se encontra a maioria da juventude negra do nosso país.
Mesmo frente a um conjunto de avanços e políticas afirmativas nos
últimos 10 anos,não podemos nos furtar dos grandes limites impostos as
Ações Afirmativas pelo arcabouço do sistema socioeconômico.
Em que pese termos conquistado a lei 10.639, sua efetivação é
exceção, hoje sua implementação ainda se dá em um contingente ínfimo de
escolas. É notória a ausência de produção científica teórica acerca do
ensino básico no que tange as relações étnicas e raciais. Os livros
ainda hoje utilizados no nosso sistema educacional não dialogam com a
emancipação do povo negro ou indígena.
É fato que dentre os avanços obtidos no sistema educacional, as
políticas afirmativas estão dentre as mais significativas. Trata-se do
maior passo já dado rumo ao fim das inequidades existentes entre negros e
não negros e que teve efetividade à medida que democratiza o acesso as
universidades brasileiras.
Com a aprovação da lei de cotas (12711/12) há a destinação de 50% do
número devagas das universidades federais para as cotas sociais e
raciais, isso irá representar cerca de 56 mil vagas em 4 anos de
vigência da lei.
No entanto, dar acesso as universidades públicas federais não é
suficiente para democratizar o ensino superior brasileiro. Há que
reestruturar os pilares do sistema educacional, garantir a permanência e
a iniciação científica desses cotistas. Não é factível que a bolsa
permanecer seja usado como remuneração para os bolsistas atenderem ao
telefone de bibliotecas ou outras atividades que não a de iniciação
científica.
Há uma necessidade latente de maior investimento nas políticas de
assistência estudantil. A UNE defende um piso de R$ 750 mil na
assistência estudantil para 2013 e luta para que possamos superar R$ 2
bilhões, garantindo a ampliação necessária de recursos para a reforma e
construção de moradias estudantis, restaurantes universitários, creches,
assim como o aumento da oferta e o valor das bolsas de permanência.
A UNE é aliada do movimento social negro na luta antirracista,
acumulando sobre essa pauta de forma transversal em toda a política da
entidade nos fóruns mais abrangentescomo os CONEB, CONEG, CONUNE e mais
focadamente nos ENUNES (Encontro Nacional De Negros, Negras E Cotistas
Da UNE), fórum permanente de auto organização dos negros e negras da
União Nacional dos e das Estudantes. Em breve lançaremos o IV ENUNE,
nessa edição iremos atualizar a pauta antirracista educacional e
acumular para a luta antirracista do Brasil.
Valeu Zumbi, valeu Dandara, por deixar a história negra como sinônimo de coragem, luta e resistência!
Marcela Ribeiro Santos – Diretoria de Combate ao Racismo – União Nacional dos Estudantes