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Políticas públicas de permanência: um passo decisivo para a Universidade democrática e popular
sábado, 19 de fevereiro de 2011
A Assistência Estudantil é, sem dúvida alguma, uma das disputas mais perenes travadas pelo movimento estudantil no debate acerca do ensino superior público brasileiro. Isso se dá pelo triste fato de que a Universidade brasileira não tem priorizado as políticas de permanência nas suas estruturas administrativas e políticas.
As políticas de permanência (ou a falta delas) têm um impacto imensurável na vida daquelas pessoas que não possuem meios de se manter estudando por dificuldades de diversas ordens, mas essencialmente sociais e financeiras.
Afinal de contas, não podemos desprezar o fato de que, apesar de a Universidade ser pública, não tem se mostrado de fato gratuita. Transporte, residência, creche, alimentação, xérox, livros, cultura e esporte são alguns dos principais fatores que podem comprometer a formação do estudante que não puder acessá-los plenamente durante a vida universitária. Isso acentua as desigualdades que já existem fora dos muros das universidades.
Precisamos passar a debater o direito do estudante brasileiro não só de acessar o ensino superior, mas de permanecer e concluir o mesmo, sob pena de mantermos os altos índices de evasão que acabam por frustrar as expectativas do indivíduo e da própria sociedade para com a Universidade.
A Universidade para as elites
Durante décadas os estudantes, em especial os setores do movimento estudantil de esquerda, têm trazido o debate da necessidade de democratização da Universidade pública brasileira. Dentro deste amplo debate, inúmeras pautas estavam colocadas. Algumas delas ganharam repercussão grande na sociedade, como por exemplo, a expansão no número de vagas. Outras, entretanto, restringiram-se durante muito tempo à discussão no interior do próprio movimento ou, na melhor das hipóteses, dentro da institucionalidade universitária – que parece ter sido o caso do debate da Assistência Estudantil.
Isso se deve a alguns fatores: a Universidade pública, tal como foi concebida no nosso país, serviu historicamente a uma elite privilegiada que utilizava da diplomação num curso superior para perpetuar o ciclo de desigualdades nas oportunidades e garantir a sua manutenção enquanto classe dominante. Com o passar do tempo, entretanto, o crescimento populacional acentuado trouxe consigo a saturação das vagas nas Universidades, que não mais atendiam nem mesmo àquela elite para a qual haviam sido criadas. Ou seja, a sociedade era diretamente afetada pela não expansão das Universidades, o que gerou, certamente, uma pressão crescente sobre os sucessivos Governos. A assistência estudantil, juntamente a outros debates fundamentais, foi colocada em segundo plano neste processo pela falta de prioridade que tinham para as elites e os Governos a elas subservientes.
Assistência estudantil, Permanência e políticas públicas transversais
A falta de prioridade recebida pela Assistência Estudantil é fruto de uma disputa entre distintos projetos de Universidade pública no campo político brasileiro. Essa disputa, não podemos nos enganar em relação a isso, não diz respeito somente a uma disputa geral, legislativa, parlamentar ou executiva, mas também, de uma disputa que está muito viva dentro da correlação de forças em cada uma das Universidades espalhadas pelo Brasil.
De um lado se agrupam os setores que constroem uma Universidade pública voltada para o mercado de trabalho, tecnicista, privatista e que se mantenha servindo às elites; este projeto é visivelmente organizado pelo conservadorismo. Contra isso temos os setores de esquerda que acreditam e lutam por uma Universidade democrática e popular, que forme cidadãos e garanta os direitos constitucionais a uma educação de qualidade para todas e todos, isonômica em sua essência, plural e libertária, uma Universidade que contribua na criação de novas bases para as relações em sociedade, gerando, a partir daí, outra sociedade, mais justa e igualitária.
A disputa de hegemonia colocada explica em grande medida porque o debate das políticas de permanência e assistência estudantil não se encontrarem na ordem do dia. Trazer para um espaço burguês a idéia de que camadas populares que sempre estiveram fora deste espaço devem não somente adentrá-lo, mas também, que as Instituições precisam garantir a permanência do/da estudante, pois isso constitui um direito, é certamente um posicionamento contra-hegemônico que muitos não estão dispostos a dialogar.
Faz-se imprescindível, assim, que os setores que disputam a Universidade sob uma ótica não-elitista estejam trazendo este debate sob outras perspectivas, para facilitar o processo de acúmulo nesta pauta. Precisamos emergencialmente internalizar a idéia de que não estamos lidando com concessões, assistencialismo, benesses, presentes, etc. Estamos lidando com direitos previstos na Constituição Federal. A própria nomenclatura utilizada pelo movimento social para debater o tema (“Assistência Estudantil”) favorece o equívoco, até mesmo entre os estudantes. Situar o debate no âmbito do Direito à Permanência pode abrir caminhos outros e fornecer ferramentas novas para o embate colocado.
Existe uma diferença grande entre debater a vontade política de um Governo ou de uma Reitoria em se dispor a priorizar uma pauta que não se encontra muitas vezes dentro da linha política adotada e, por outro lado, de debater o não atendimento pelo Estado de direitos dos cidadãos que são cotidianamente violados. Essa facilidade, dentre outros fatores, se deve ao fato de que, sendo um direito, deverá o Estado gerar políticas públicas para atender àquela demanda – pauta que vem ganhando força no último período e certamente servirá como um fator favorável ao campo democrático e popular. Afinal de contas, o debate do Direito à Permanência é extremamente transversal, podendo gerar políticas específicas para a juventude, para os negros e negras, para as mulheres, portadores de necessidades especiais, etc – todas de extrema necessidade e urgência.
Dos anos Neoliberais ao PNAES
No período neoliberal dos anos 90 a problemática da saturação entre a demanda e a oferta das vagas no ensino superior foi transferida do poder público para a iniciativa privada. A principal política educacional do Governo FHC era o sucateamento do ensino público superior e a mercantilização do sistema educacional com a criação de milhares e milhares de vagas em instituições privadas que tinham como principal objetivo não a formação do aluno (mesmo nos moldes da elite), mas sim o lucro incessante e crescente de grupos financeiros nacionais e transnacionais.
O Governo Lula, entretanto, através de uma política de reversão da onda neoliberal, no campo do ensino superior, começa a reverter o processo de sucateamento das estruturas públicas, em especial das federais, através de programas de Governo, dentre os quais destaca-se o REUNI, que se propunha a reestruturar e expandir as Universidades Federais brasileiras. A principal conquista do REUNI foi justamente a de recolocar a Universidade pública novamente no centro das políticas públicas de inclusão social. A expansão no número de vagas e cursos, associadas a programas estratégicos como as Ações Afirmativas, estão alterando o perfil das IFES e dando passos largos rumo a outros tempos para a educação no Brasil.
Esse crescimento, contudo, precisa atentar-se a alguns pontos fundamentais. Transformar a Universidade elitista em um espaço no qual adentrarão jovens negros, periféricos, da classe trabalhadora, exige um esforço decisivo para que os mesmos sejam incluídos nesta estrutura, ao invés de repelidos e transformados em estatística da evasão. As políticas de Permanência se fazem não só necessárias, mas são parte central de uma transformação democrática e popular.
O Governo Lula também deu passos decisivos neste sentido, criando o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Como bem explica o próprio Governo sobre o programa, ele “busca viabilizar a igualdade de oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão” (MEC). Para tanto, o Ministério da Educação investiu algo próximo a meio bilhão de reais, distribuídos em um número muito maior de benefícios, de forma progressiva entre 2008 (ano da sua criação) e 2010.
Se analisarmos os números e pensarmos que eles serão divididos pelas inúmeras IFES espalhadas pelo país, perceberemos rapidamente que ainda não estamos próximos dos recursos que necessitamos para solucionar os problemas acumulados por décadas. Não reconhecer que tal iniciativa constitui um avanço expressivo, todavia, é vendar os olhos à conjuntura colocada.
Ao propor e operacionalizar o PNAES, o Governo Lula coloca de uma vez por todas a agenda da Permanência no contexto da disputa educacional brasileira, estabelecendo diretrizes para a reestruturação e expansão para as quais deverão se atentar as Universidades que aderiram ao programa (REUNI). Isso pode ser utilizado pelo movimento estudantil para a disputa junto às Administrações Centrais, tendo agora uma pauta política que não é mais apenas sua, mas do próprio MEC, ou seja, uma pauta de Governo e dos movimentos sociais, diferenciando-se obviamente, na prioridade que ela representa para cada um destes atores.
Conclusão
O movimento estudantil tem sido o principal braço da esquerda no contexto educacional do nosso país. Isso acontece, pois a militância organizada nas Universidades tem travado a discussão de novas concepções de Universidade e sociedade, inserida na luta cotidiana dos estudantes, dos técnico-administrativos e professores. É preciso organizar a luta pelo Direito à Permanência e por outros direito não atendidos, junto aos outros segmentos dos movimentos sociais.
Nesse sentido, contextualizar as políticas de permanência no âmbito das políticas públicas com possibilidades transversais é, sem dúvida alguma, uma estratégia interessante. Utilizar a pressão dos movimentos sociais para que esta pauta possa ser priorizada pelo Estado brasileiro (inclua-se aí o Governo e as instituições, dentre as quais, as Universidades).
Isso deve, ainda, estar inserido numa estratégia mais ampla para que a Universidade não seja um simples objeto do processo de transformação da sociedade. Ela precisa estar a serviço da consolidação de um projeto de nação solidária, democrática, popular e libertária, tendo os movimentos sociais na condução deste processo, como agentes protagonistas da sua própria emancipação.
Fernando Maltez é estudante de Direito da UFBa, Diretor de Universidades Públicas da UEB e Diretor de Comunicação do DCE-UFBa
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