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Adolescentes negras ocupam o lugar do exótico e alternativo em revista, analisa professora

sexta-feira, 17 de setembro de 2010


Como a adolescente negra é representada nas revistas voltadas ao público dessa faixa etária? Essa questão norteou pesquisa desenvolvida por Carolina dos Santos para sua dissertação de mestrado apresentada em agosto de 2009. A professora Nilma Gomes, da Faculdade de Educação da UFMG, orientou o trabalho.

A pesquisadora conta que a primeira motivação para sua investigação se deu a partir de uma experiência pessoal: “como adolescente negra eu não conseguia me identificar com as modelos que apareciam nas revistas”. Mais tarde, como professora de história, ela percebeu que suas alunas liam as mesmas revistas e que o discurso permanecia o mesmo. Após algum tempo, Carolina notou que as adolescentes negras passaram a ter espaço nessas publicações e decidiu analisar como isso ocorria.

Por que você optou por analisar a revista Atrevida dentre as publicações para adolescentes disponíveis no mercado?
No início, a ideia era trabalhar com Capricho e Atrevida. A Capricho porque eu era leitora da revista, comecei a ler a Atrevida há menos tempo. As duas têm a maior tiragem e circulação, além disso, são muito parecidas. Porém, a Atrevida tem a singularidade de ser da mesma editora da revista Raça Brasil [publicação voltada ao público negro]. Isso me levou a optar por ela, pois dentro da editora já se discute a questão da imagem do negro.

Como a adolescente negra é tratada na revista Atrevida?
A publicação segue um ideal de beleza branco europeizado, bem demarcado. Quando há outra aparição, como a adolescente negra, ela serve como um gancho para dicas de como minimizar as diferenças e se aproximar, ao máximo, do ideal de beleza perpetuado pela revista. A jovem negra tem aparições esporádicas no lugar do exótico e alternativo, ou seja, no lugar do outro. Isso acontece também com as asiáticas e com as indígenas, embora apareçam menos. Outras diversidades, como diferenças de peso e homossexualidade também quase não são abordadas. A diferença é contemplada para ensinar a ser igual: você tem a diferença, mas a Atrevida te ensina a acabar com ela.

Algum aspecto chamou mais sua atenção?
O que mais me marcou foi a questão dos lábios. Em várias edições, o discurso é o mesmo: os lábios grossos e carnudos não devem ser destacados, mas sim afinados. A Atrevida ensina várias técnicas, que se repetem nas edições, de como a leitora que tem os lábios grossos pode disfarçá-los. Isso acontece também com o nariz e o com cabelo. No discurso, sempre aparece a ideia de que o cabelo tem que ter brilho, maciez e balanço, o que não é característico de um cabelo crespo.

O modo como a questão racial é tratada na revista é um reflexo de nossa sociedade?
Quando fazemos uma leitura desatenta, pensamos que a revista não opera com a questão racial. Porém ela é ambígua, assim como o racismo brasileiro, ou seja, mesmo não nomeando, explicitamente, suas leitoras como brancas, ela faz isso quando insere a adolescente negra. Isso porque, quando a publicação introduz o outro, ela mostra o tipo de adolescente que ela privilegia. É uma revista que também configura um tipo ideal de comportamento feminino, que é uma mulher que tem que pensar sempre no sexo oposto e em como se comportar para atingir isso. O que resume bem é a ideia da “branquitude normativa”: o branco é o representante da espécie, os outros são os outros. Isso está bem dentro do contexto das relações raciais no Brasil.

Mesmo com os problemas apontados em sua pesquisa, você considera que esse material pode ser utilizado pelos professores em sala de aula?
Primeiro, é preciso tirar a revista desse lugar marginal. A lembrança de que tenho, como aluna e mesmo como professora, é a de o aluno lendo escondido esse tipo de publicação, debaixo da mesa e depois passando para o colega do lado. O que pode ser feito é focar nesse material. Essas revistas pretendem ser instrutivas em algum sentido, com seções que falam, por exemplo, sobre profissões. Os professores poderiam usar alguns desses textos para problematizar carreiras. Além disso, elas pretendem tratar de temas atuais. Mesmo que as discussões propostas não sejam completamente satisfatórias, elas podem ser um ponto de partida ou um pretexto para trabalhar outros temas.

(Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita - Ceale - da Faculdade de Educação da UFMG)

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