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A invasão da universidade pelo povo

sexta-feira, 20 de novembro de 2009


Este Dia da Consciência Negra ocorre na semana em que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro declarou constitucional a política estadual de cotas. Mais uma derrota para a direita conservadora que tem como projeto para os jovens negros o assassinato sumário, o toque de recolher - como medida para "evitar" essas execuções - e a redução da idade penal. Neste dia em que se celebra a resistência dos Palmares, melhor resultado impossível para as lutas da juventude negra e trabalhadora.

Como lembra o diretor de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais do IPEA, Mário Theodoro, "a universidade pública é considerada excelente e esse é o filé que as elites brancas não querem dividir". Apesar de a maior parte dela, da que foi se formar em universidades norte-americanas, ter lançado mão da reserva de vagas para estudantes estrangeiros, do que "esquece" quando fala em meritocracia.

Flávio Bolsonaro, quando protocola ação declaratória de inconstitucionalidade no TJE-RJ contra as cotas, o mesmo fazendo o DEM no Supremo e a JPSDB enviando carta à redação da Veja elogiando reportagem contrária à medida, provam que elas estarão no centro da disputa de projeto para a juventude brasileira em 2010. Formar uma elite negra, que supere a atual, "pálida", é um dos pilares da proposta de esquerda. O da direita é seguir o extermínio da juventude afrodescendente, como prova o documento
Mapas do Extermínio , elaborado por entidades ligadas ao combate à violência no país, com destaque para a ACAT-Brasil (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura), e publicado esse mês, revelando que a polícia do estado de São Paulo pratica a pena de morte. extrajudicial, em sua maioria, contra pessoas entre 15 a 24 anos, moradores das periferias de grandes cidades, negros e de baixa renda (classes D e E), em chacinas, execuções sumárias aplicadas em serviço e fora de serviço, e em mortes "misteriosas" de pessoas que se encontram sob custódia do Estado.

Apesar da oposição à medida ser propagada por intelectuais ligados às classes dominantes e alcançar até mesmo estudantes, geralmente os que têm pais que podem pagar pelo ensino privado, ela é a parte mais importante da reforma universitária construída gradualmente pelo presidente Lula, coerentemente com seu programa de inversão de prioridades e atenção à juventude, pois se refere à democratização do acesso à educação superior. O modelo de universidade, ainda em disputa, é central, mas seja qual prevalecer no Brasil a médio e longo prazo, todas as classes sociais, pessoas de todas as cores já invadiram a, então, "torre de marfim" do conhecimento, como desejava Che Guevara em seu legendário discurso aos estudantes cubanos. Agora jovens que tiram "notas vermelhas" no ENEM, apesar dos progressos da rede pública, relegados a trabalharam no sub-emprego, precaridade e funções econômicas secundárias (como considera a elite o trabalho assalariado) e subalternas, poderão sonhar com um futuro melhor e dar sua contribuição especial ao desenvolvimento nacional.
Contra os argumentos dos anti-cotistas há defesa irrefutável:

1- Os cotistas obtiveram desempenho melhor do que os que ingressaram pela meritocracia tradicional, conforme documenta enorme gama de pesquisas recentes, provando que o acesso à universidade, além de estimulante, nada tem a ver com o conteúdo ministrado no ensino médio, pelo menos não de modo complementarmente automático.

2 - A meritocracia tradicional, portanto, não prova nada a não ser o que todos sabemos: que a rede particular é mais bem estruturada que a pública, por causa da reforma educacional da ditadura e dos anos de neoliberalismo (1990-2002).

3 - A auto-declaração é o método mais adequado, pois sem influenciar a priori nas decisão de implantar as cotas, cujo objetivo primordial é possibilitar mobilidade social ampla, geral e irrestrita mediante a educação, ela estimula a consciência étnica, fundamental para o Brasil dar passos firmes na superação do seu racismo envergonhado.

4 - A dimensão racial das cotas é o pagamento justo da dívida social do Estado brasileiro para com os povos indígenas e a população negra, excluídos por ele, no que tange à legalidade, historicamente, das possibilidades mais aprimoradas de desenvolvimento humano.

5 - A juventude "pobre, preta ou quase preta de tão pobre" não pode esperar gerações e gerações pelo incremento da rede pública, pois isso signfica mais décadas e décadas de exclusão social e obstáculos ao seu desenvolvimento pessoal e coletivo étnico e de classe, que se integra em quantidade e qualidade ao regime democrático no seu aspecto mais importante: o sócio-cultural. Além disso, como referido, é a educação dos antigos 1o e 2o graus não é o que define o desempenho na academia. Isso não guarda contradição com a necessária revolução na educação básica que dá seus primeiros passos no governo do PT.

As cotas representam mais progressos na utopia de construir um Brasil desenvolvido pelo investimento geracional, alterando para muito melhor sua condição social desde já. Agora é fortalecer as mobilizações para aprovar também no Senado a invasão da universidade, para encerramos a insegurança jurídica que a disputa no terreno das comarcas estaduais produz e fortalecer a hermenêutica jurisprudencial do artigo 5o constitucional, segundo a qual não há igualdade formal sem igualdade material.

Leopoldo Vieira

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