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A Mulher Negra

segunda-feira, 2 de novembro de 2009


A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.

A mulher negra ao longo de sua história foi a “espinha dorsal” de sua família, que muitas vezes constitui-se dela mesma e dos filhos. Quando a mulher negra teve companheiro, especialmente na pós-abolição, significou alguém a mais para ser sustentado. O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de quatro séculos, colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que passou a viver na miséria, sem trabalho, sem possibilidade de sobrevivência em condições dignas. Com o incentivo do governo brasileiro à imigração estrangeira e à tentativa de extirpar o negro da sociedade brasileira, houve maciça tentativa de embranquecer o Brasil.

Provavelmente o mais cruel de todos os males foi retirar da população negra a sua dignidade enquanto raça remetendo a questão da negritude aos porões da sociedade. O próprio negro, em alguns casos, não se reconhece, e uma das principais lutas do movimento negro e de estudiosos comprometidos com a defesa da dignidade humana é contribuir para o resgate da cidadania do negro.

A pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não podemos deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do racismo há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional.

Embora o contexto adverso, algumas mulheres negras vivem a experiência da mobilidade social processada em “ritmo lento”, pois além da origem escrava, ser negra no Brasil constitui um real empecilho na trajetória da busca da cidadania e da ascensão social. Bernardo (1998), em seu trabalho sobre a memória de velhas negras na cidade de São Paulo, mostra como é difícil a mobilidade ascensional da negra - especialmente na conquista de um emprego melhor, pois a maioria das negras trabalhava na informalidade, ou como empregadas domésticas.

As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho despendem uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas provavelmente pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da realização da maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a competência profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem maiores esforços para a conquista do ideal pretendido. A questão de gênero é, em si, um complicador, mas, quando somada à da raça, significa as maiores dificuldades para os seus agentes.

Paul Singer (1998) afirma que, à medida que a mulher negra ascende, aumentam as dificuldades especialmente devido à concorrência Em serviços domésticos que não representam prestígio não há concorrência e conseqüentemente as mulheres negras têm livre acesso e é nesse campo que se encontra o maior número delas. A população negra trabalha, geralmente, em posições menos qualificadas e recebe os mais baixos salários.

A mulher negra, portanto, tem que dispor de uma grande energia para superar as dificuldades que se impõe na busca da sua cidadania. Poucas mulheres negras conseguem ascender socialmente. Contudo, é possível constatar que está ocorrendo um aumento do número de mulheres negras nas universidades nos últimos anos. Talvez a partir desse contexto se possa vislumbrar uma realidade menos opressora para os negros, especialmente para a mulher negra.

Contudo, cabe ressaltar a experiência de mulheres negras na luta pela superação do preconceito e discriminação racial no ingresso no mercado de trabalho. Algumas mulheres atribuem a “façanha” da conquista do emprego do sucesso profissional a um espírito de luta e coragem, fruto de muito esforço pessoal, e outras ainda, ao apoio de entidades do movimento negro.

Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento, ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da sociedade.

MARIA NILZA DA SILVA
Professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e Doutoranda na PUC/SP


A discriminação racial na vida das mulheres negras é constante; apesar disso, muitas constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.


2 comentários:

Clarisse Goulart - UEE-MG e Marcha Mundial das Mulheres disse...

É importante levar em conta na discussão sobre a realidade das mulheres negras no Brasil e a dupla opressão vivida cotidianamente por elas que a forma de organização da produção na nossa sociedade, o capitalismo e mais recentemente sua versão neoliberal é estruturado e estruturante pela opressão de gênero e raça - necessita do trabalho de reprodução exercido majoritariamente pelas mulheres e o torna invisível, como se fosse natural das mulheres se responsabilizarem pelo cuidado da família, pelo trabalho doméstico e pela criação dos filhos. No caso das mulheres negras, além de exercerem esse trabalho em suas casas, muitas exercem esse trabalho como meio de sobrevivência.
Enquanto as mulheres ricas comemoram a independência financeira como superação da opressão de gênero as mulheres negras as substituem no trabalho doméstico. A socialização desse trabalho, no entanto, não é visto como alternativa possível.
A desigualdade social, racial e de gênero só será superada através da luta das mulheres e homens por uma nova sociedade - que tenha como pilar a igualdade e a socialização da produção.

Aproveito o comentário para parabenizar aqueles que contribuem com esse blog: textos bons, visual bacana e um bom instrumento para que o movimento estudantil aprofunde o debate de raça e o combate ao racismo.

Grande abraço!

sergio dias disse...

Achei o blog de vocês legal e importante, sobretudo, para a questão das ações afirmativas, uma vez que o discurso da mídia e elite dominante condena-nos á luta por uma nova abolição. Espero agora uma visita www.pelenegra.blogspot.com

 
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