Adomair O. Ogunbiyi*
Neste artigo nos propusemos a apresentar da questão da mulher, numa perspectiva da mulher negra que dentre elas carrega o fardo da tríplice opressão: Gênero,Raça/Etnia e Classe. Para além, fazemos pequena incursão em aspectos da educação em uma sociedade permeada do viés androcêntrico, étno-eurocêntrico, elitista e judaico-cristão.
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*Graduando do primeiro período do Curso Normal Superior da Faculdade Candido Mendes do Maranhão FACAM.
MULHER E NEGRA
Uns dos alertas do movimento negro, no Brasil, quando se toca a questão da mulher é de que “a luta contra a múltipla discriminação sofrida pela mulher negra não pode e nem deve ser vista como apêndice do avanço de consciência provocado pelo movimento feminista”. (MNU, 1990, p.6). Também não se restringe à identificação e divulgação das heroínas negras que, no passado, tanto contribuíram no processo de libertação do povo negro, e que hoje constituem exemplos inegáveis de resistência. Tais como:
1) Nzinga Mbandi(1582-1663) Rainha e grande líder africana de Angola;
2) Tereza de Quariterê, rainha do quilombo de Quariterê durante duas décadas, no séc. XVIII;
3) Luiza Mahin (1812- ?) inteligente, rebelde participante da Guerra dos Malês, na Bahia, mãe de Luiz Gama;
4) Maria Firmina dos Reis (1825- 1921), Maranhense, em 1847 conseguiu sua nomeação para o Ensino Oficial por concurso. È considerada a primeira romancista brasileira, seu livro Úrsula foi publicado com pseudônimo Uma Maranhense, em 1859. Nele a autora já denunciava a escravidão, mostrando a contradição entre a fé cristã professada pela sociedade e a crueldade do regime escravagista, com seus castigos, torturas e humilhações;
5) Auta de Souza (1876- 1901) nascida em Macaíba, Rio Grande do Norte, poéta publicou o livro “O Horto”, escrevia versos em português e francês na imprensa de seu estado;
6) Antonieta de Barros (1901- 1952) natural de Florianópolis, Santa Catarina, educadora, jornalista, escritora e a primeira mulher eleita à Assembléia Legislativa de seu estado;
7) Carolina Maria de Jesus (1914- 1977),mineira, vai morar em uma favela do Canindé, bairro da capital paulista, torna-se escritora. Quarto de Despejo, seu livro publicado em 1960 que foi traduzido em 13 idiomas;
8) Lélia Gonzalez (1935 – 1994), mineira, doutora em antropologia, militante fundadora do Movimento Negro Unificado – MNU. Feminista negra, escreveu o livro “O lugar do Negro” em 1982.Isto para citarmos alguns dos nomes mais expressivos. Há muitos mais.A trajetória da mulher negra, na sociedade, é permeada pelo mito da história oficial ou com a qualificação dada pelo movimento negro: historiografia oficial. Essa historiografia quando não a invisibiliza deturpa sua imagem. Historicamente, a maioria dos povos não-brancos tem sido submetida à opressão e exploração. No caso, específico, da mulher negra essa mazelas são acentuadas pela tripla discriminação de que são vítimas: de gênero (por parte de homens negros e não-negros); de raça/etnia (por serem negras, são afetadas pelas manifestações do racismo: a discriminação racial e o preconceito racial) e de classe (em sua maioria estão alocada nos seguimentos mais despossuídos da sociedade). Se pela ótica das classes dominantes (androcêntrica, euro-étnocêntrica, elitista e judáico-cristã) que detém o controle dos meios de produção social o colonizado, “o proletariado”, o negro, as mulheres, homossexuais, etc. são reduzidos ao silêncio qual não será a situação da mulher negra? Para responder a essa indagação deveremos fazer um passeio pela “história silenciada”. História que sempre foi contada por homens brancos que subordinaram os direitos, deveres e aspirações das mulheres, aos seus interesses. Houve períodos onde a mulher desempenhava relevante papel social, participando de atividades coletivas de seu grupo social. Com o advento da propriedade privada a mulher é confinada ao mundo doméstico e subordinada ao jugo machista do chefe da família. Se a antropologia fala sobre a “construção” social da mulher – que varia de acordo com a expectativa de cada sociedade a respeito dos papeis que a mulher deve desempenhar, como serão esses papeis para a mulher negra ? Se os modelos, que são importantes para o funcionamento da sociedade, para a educação das crianças e a partir da imitação e que definem a expectativa em torno do comportamento desejável em cada comunidade, quais serão eles para as crianças negras?Aí, reside o foco de nossa proposta de discussão.O mito da feminilidade está em estereótipos que nem sempre são válidos para as mulheres negras, senão vejamos: para a mulher não-negra são impingidos como válidos e “naturalizados” os padrões como: sensível, delicadas, altruísta, etc. Todos estes estereótipos têm cunho preconceituoso, danoso e cruel. Porém, em se tratando da mulher negra, além desses, agrega-se a discriminação e o preconceito racial.Neusa Santos Souza, em Tornar-se Negro, diz:“Saber-se negra é viver a experiência de ter sidomassacrada em sua identidade, confundida em suasperspectivas, submetida a exigências, compelida aexpectativas alienada. Mas é também, e sobretudo, aexperiência de comprometer-se a resgatar sua história erecriar-se em suas potencialidades”(SANTOS, 1983, p.17-18)Assim como, os estereótipos que estão subjacentes à dominação machista os do preconceito racial estão para justificar a discriminação racial – manifestações a serviço do racismo. Além destes estereótipos encontramos aqueles ligados a classes sociais que garantem a manutenção das desigualdades, principalmente, em uma sociedade capitalista dependente.
A ESCOLA INCLUSIVA
Para desconstruir este quadro são necessárias inúmeras intervenções, porém, uma é primordial: na educação. Entendemos que somente uma educação baseada no respeito à diversidade minimizaria as seqüelas existentes e eliminaria este tripé desumanizador – no futuro. Jesus nos alerta que:A presença do sexismo na escola revela a necessidade de se refletir sobre os preconceitos da sociedade. O sexismo nas escolas e nos manuais escolares não influencia apenas as aspirações educacionais e profissionais das meninas. Age também sobre a percepção que cada sexo tem do outro.(JESUS, 1981, p.51)Reforça com citação de Verena Stolcke que assevera:[...] a insatisfação das mulheres negras com a falta de sensibilidade das feministas brancas em relação às formas de opressão específicas acrescentou uma nova questão à agenda feminista, ou seja, de que modo abordar a maneira com gênero, classe e raça se cruzam para criar não apenas fatores comuns, mas também diferenças nas experiências das mulheres.(JESUS, 1981, p. 54).
Para ser inclusiva a escola tem de abandonar idéias retrogradas que remontam desde a Constituição outorgada de 1824, que negava direito ao estudo para a população negra e/ou afro-brasileira. As reformas educacionais, passando pela escola tradicional até a escola nova, não conseguiram atingir a construção de identidades narrativas de libertação. No final do túnel há uma luz: a Lei 10.639, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Leis esta decretada pelo governo federal, após anos de lutas e reivindicações dos segmentos do movimento negro. A população negra já deu sua contribuição. Aguardamos, agora, a sensibilização dos demais setores da sociedade para sua implementação e assim tornarmos a educação em consonância com os pilares do conhecimento.
CONCLUSÃO
Abordar a questão da mulher numa perspectiva negra sempre foi um exercício buscado há muito tempo, entretanto, não nos sentimos satisfeitos devido a enorme gama de fatos históricos que poderiam e deveriam ser explorados, contudo, a exigüidade do tempo nos impossibilita. Esperamos ter atingido nossos objetivos principais, ou seja, atender ao desafio proposto e suscitar uma reflexão sobre a situação da mulher negra na educação.
REFERÊNCIA
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, 2004.
GONZALEZ, Lélia. Hasenbalg. Lugar de Negro. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1982.
JESUS, Ilma Fátima de. Educação, Gênero e Etnia: uma estudo sobre a realidade educacional na comunidade remanescente de quilombo de São Cristóvão, Município de Viana, Estado do maranhão.2001. Dissertação (Mestrado em Educação – Centro de Ciências Sociais da Faculdade Federal do Maranhão, São Luís, 2001).
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se Negro. 2. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
MACLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo, Cortez, 1997.
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – MNU. Mulher Negra. Força Rara. Biblioteca Lima Barreto. Série Formação. Salvador, MNU, 1998.________Programa de Ação – Estatuto. Salvador, 1990.
PACAVIRA, Manuel Pedro. NZINGA MBANDI. 3. ed. Luanda, 1985.
PACHECO, Mário Victor de Assis. Racismo, Machismo e “Planejamento Familiar”. 3. ed. Petrópolis,Vozes, 1984.
QUINTAS, Fátima (org.) Mulher Negra: Preconceito, Sexualidade e Imaginário. Recife, Massangana, 1995.
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