Páginas

As cotas mudaram a cor da UnB

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Zulu Araújo
Presidente da Fundação Cultural Palmares / Ministério da Cultura

O título deste artigo é a declaração da estudante Bernadete de Lourdes Silva Ferreira dos Santos, formanda do curso de Letras e cotista da Universidade de Brasília, primeira instituição federal brasileira de curso superior a aderir, em 2004, ao sistema de cotas para afro-descendentes. Assim como Bernadete, quase 50 outros estudantes ingressos pelo sistema de cotas estão se formando nos próximos dias e mostrando ao Brasil uma nova realidade.
A expectativa era essa mesma: as cotas mudaram a cor não só da UnB, mas do Brasil. Matéria publicada pelo Correio Braziliense, no caderno Gabarito, do dia 4 de agosto, revela o que já esperávamos. A política de cotas é uma das mais acertadas políticas de ação afirmativa no país. A Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, criada para valorizar e divulgar a cultura dos afro-descendentes, considera muito relevante e comemora o fato de que apenas 1% dos estudantes que entraram para a Universidade de Brasília pelo sistema de cotas tenha abandonado a universidade.
São dados como esse que dão conta da dimensão das propostas para a superação do racismo em nosso país. Infelizmente, os alunos que ingressam na universidade pelo sistema de cotas ainda enfrentam a desconfiança de professores, de colegas e da sociedade. Falam mais alto agora os resultados. De acordo com a pesquisa realizada pela Assessoria de Diversidade e Apoio aos Cotistas da UnB (Adac), os dados são estimulantes e derrubam argumentos preconceituosos de que os cotistas não seriam capazes de acompanhar o ensino superior. Além de apenas 1% abandonar o curso, o desempenho acadêmico dos cotistas ficou acima da média. E mais: a média de trancamento de disciplinas foi de 0,5% e a de reprovação apenas de 1,5%.
Nos próximos dias assistiremos, bastante satisfeitos, o sonho realizado desses jovens. A formatura dos primeiros estudantes aprovados pelas cotas na UnB é a prova cabal de que essa política é eficaz na redução de desigualdades. A situação profissional desses jovens negros e negras revela-se promissora. Senão vejamos: mais de 57% dos formandos já ingressaram no mercado de trabalho; 18,4% estão concluindo estágios e 23,7% estão estudando para concurso público.
Nesse 2008, em que o país celebra 120 anos de abolição da escravatura, cabe, porém, a reflexão do quanto ainda se deve concluir para uma mudança da realidade discricionária e excludente da sociedade brasileira. E esses resultados apontam para a possibilidade de uma nova realidade, na qual gerações futuras de afro-descendentes devem impor um novo olhar sobre si. Há pouco, o Ipea divulgou pesquisa reveladora: negros e pardos já são declaradamente 49,5% da população brasileira, o que demonstra mudanças significativas no que diz respeito à afirmação da identidade afro. Delegamos isso à prática das políticas de ação afirmativa que vêm nos últimos anos fortalecendo e ampliando atitudes nas quais a pertença racial seja fator de inclusão social, não o contrário.
A afirmação da identidade contribui para reforçar a auto-estima e a idéia de pertencimento. É o que percebemos nas declarações dos jovens citados na reportagem e que se orgulham do seu feito. "Me sinto realizado", diz um. "A UnB me abriu portas", diz outro. "É uma vitória para toda a família. Mas precisa ser de muito mais gente", declara um outro.
Nessas declarações estão nítidas a sensação da conquista, do jogo ganhado, e o que isso pode representar para suas vidas futuras. Construir a sua própria história implica a possibilidade de percorrer novos caminhos. Nessa perspectiva, é que vemos a atitude da UnB e de outras mais 51 instituições públicas de ensino superior superarem a si mesmas e ajudarem a construir um novo amanhã para o povo negro do Brasil.
Esse significativo esforço do poder público respalda a luta de muitos negros e negras por direitos fundamentais, como educação e trabalho. É claro que a promoção da igualdade racial no Brasil vai muito além da adoção dessas políticas de cotas. É preciso muito mais na abordagem da questão racial no Brasil. Esses primeiros jovens formandos pelo sistema de cotas da UnB estão mudando paradigmas, além de protagonistas e referências da construção de uma nova idéia de liberdade para a comunidade negra brasileira. São eles que vão dar o testemunho desses novos tempos. A semente foi lançada; é preciso semeá-la.

0 comentários:

 
UNE Combate ao Racismo | by Marcelo Coelho ©2011