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A abolição inconclusa e o apartheid que nos coube

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Veja quem são os novos juízes! Assim dizia a manchete sobre uma linda fotografia que estampava os sorrisos de umas cinqüenta pessoas recém empossadas na carreira da magistratura estadual do Rio de Janeiro. A foto também trazia uma dupla constatação: positivamente, as mulheres estavam em maior número, mas negativamente, não havia um afro-descendente entre eles. Negro ali, só se via na cor das togas!

Renato Ferreira
Advogado especialista em direito e relações raciais e pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ





Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância".
A frase de Joaquim Nabuco em seu "O abolicionista" de longa data já estabelecia a educação dos libertos e seus descendentes como uma verdadeira opção republicana, não só para redução das desigualdades legadas pela escravidão, mas também para fomentar um desenvolvimento possível e necessário ao País. Décadas e mais décadas se passaram sem que tais políticas públicas fossem implementadas de modo efetivo. Optou-se por consolidar nosso nacionalismo com base num universalismo vazio, ancorado no mito da democracia racial. Há exatos 120 anos da abolição da escravatura, todas as estatísticas (some-se a elas o fenótipo das pessoas naquela fotografia) são impiedosas em constatar que tomamos um rumo tortuoso: não enfrentar as desigualdades raciais impediu a integração material entre negros e brancos no Brasil. Neste sentido, estamos ainda atados a uma pré-modernidade - herdada de nossos colonizadores - que insistimos em não superar ancorados inutilmente no sofisma de que a miscigenação não se coaduna com a desigualdade.
A secular inércia pública contra o racismo estrutural, a baixa densidade de nosso estado de bem-estar, somados a uma boa dose de democracia racial consolidaram uma abolição inconclusa e por esta narrativa cristalizaram o apartheid que nos coube: disfarçado, sinuoso, mas terrivelmente eficaz não só para permitir que muitas desigualdades continuassem baseadas nas diferenças, mas também para sustentar uma enorme invisibilidade acerca do problema.Desta forma, estabeleceu-se uma profunda letargia nos governantes impedindo a construção de políticas que nos teriam feito romper com desigualdades incompatíveis com o estado democrático de direito.
Há cinco anos uma das alternativas a este quadro começou a ser traçada e já se materializa em 35 universidades públicas e em dezenas de instituições privadas. As políticas de inclusão, dentre elas as cotas, são caminhos viáveis e remetem a um novo modelo de desenvolvimento, pois, se assentam na promoção da diversidade, sem revanchismo, como fio condutor para redução de nossas injustiças históricas.
Este significativo, inexorável e gradual processo de inclusão encontra-se em cheque no Supremo Tribunal Federal, mas espera-se - por amor não só aos negros, mas ao Brasil - que a decisão dos principais julgadores do país promova a realidade racial democrática que um dia haveremos de ver estampada nas fotografias de todos os espaços de poder. Assim, as fotos irão revelar de modo afirmativo, que nenhuma desigualdade poderá se fundamentar mais na diferença. Por uma questão de justiça poderá até não haver diversidade na cor das togas, mas haverá na dos juízes.

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